Aproveite as oportunidades que lhe surjam, mantenha a curiosidade científica, procure colaboração e, sobretudo, seja resiliente e não desanime com a frustação.

Margarida Santos-Reis

Doutorada em Biologia – Especialização em Ecologia da Conservação
Professora Catedrática na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

Nota Biográfica

As principais diferenças que se observam nas carreiras de investigação em Portugal e no estrangeiro são “Sem dúvida os papéis de liderança científica a nível institucional, e também do poder político. Os números relativos a mulheres com a posição de Professor Catedrático ou que ocupam cargos dirigentes de unidades de investigação, departamentos, faculdades ou universidades, demonstram que o fosso entre mulheres e homens é notório.”

“… demonstram que o fosso entre mulheres e homens é notório.”

“Sentia-me realizada a ajudar, reconhecendo que estava a ganhar experiência e a fortalecer os meus conhecimentos, mas em momento algum pensava que esse iria ser o meu futuro”

O que a levou a optar pela carreira de investigação?
Não foi uma opção muito consciente nem devida a um factor único, mas sim o resultado de múltiplos acontecimentos que me levaram a tomar opções de vida que me conduziram a um caminho onde a investigação e o ensino se cruzam e nunca poderiam estar dissociados.
Desde muito pequena que o meu interesse pelas atividades ao ar livre e pela natureza se manifestaram, provavelmente decorrente de uma vida familiar ligada a África e cujas histórias sempre me fascinaram, apesar de ter nascido e tido uma infância lisboeta. O meu pai era médico e uma das suas paixões eram as doenças tropicais, razão pela qual pouco depois de se ter licenciado decidiu ir exercer medicina em Moçambique estando destacado no que então me referiam como ‘o mato’ apoiando as populações locais. Numa das suas idas à cidade (Lourenço Marques, hoje Maputo) conheceu a minha mãe, casaram, e ela passou a partilhar o seu dia a dia no meio da natureza e dessa interação com o meio natural e os animais houve vários acontecimentos que a marcaram e apaixonaram e que soube transmitir a mim e aos meus irmãos. Embora tenham regressado a Portugal meses antes de eu nascer, a paixão por África esteve sempre presente na sua (nossa) vida e a ela regressámos na minha adolescência,uma vivência que recordo com muita saudade. A vontade de conhecer melhor a natureza e o comportamento animal foi sem dúvida o factor que me levou a escolher o curso de Biologia.
Durante o curso na FCUL, onde a componente prática era muito forte, tive a sorte de ter um leque de professores que frequentemente promoviam saídas de campo e que nos permitiram participar na recolha de dados para os seus trabalhos de investigação. Sentia-me realizada a ajudar, reconhecendo que estava a ganhar experiência e a fortalecer os meus conhecimentos, mas em momento algum pensava que esse iria ser o meu futuro, o qual à data não constutuia uma preocupação limitando-me a viver o momento. Nos anos finais do curso surgiu então a oportunidade de ser monitora e ajudar na preparação e apoio nas aulas práticas dos alunos mais novos, e foi assim que o ensino entrou na minha vida.

Aliada a esta oportunidade, uma vez mais o exemplo familiar teve influência no caminho que escolhi. Quando regressou de Moçambique pouco antes de eu nascer, o meu pai ganhou uma posição de docente no Instituto de Higiene e Medicina Tropical, onde chegou a professor catedrático e do qual era Director quando faleceu. A imagem que retenho dele, e que me acompanha, é de alguém muito culto e com uma elevada curiosidade, cuja vida era estudar ou ensinar, e para quem o exercício de clínica com objetivos financeiros nunca foi uma opção de vida. Era um apaixonado pelo que fazia e também me ensinou que não devemos limitar os nossos interesses (era médico de medicina geral, mas tirou depois a especialidade de pediatria e desenvolveu competências em estatística médica e epidemiologia).
E então entra o acaso, ou seja o estar no lugar certo à hora certa. O aparecimento de numerus clasulus nas nossas universidades e o facto do curso de Biologia ter ficado esquecido e terem sido 600 alunos para o curso de Biologia da FCUL (quando a média anual era de apenas 50), obrigaram à contratação de mais docentes e alguns professores incentivaram-me a concorrer visto que tinha acabado de me licenciar. Assim o fiz, fui seleccionada e contratada como assistente do Departamento de Biologia Animal, tomando pela primeira vez consciência que era uma opção para a vida e que a par do ensino teria de realizar investigação conducente ao doutoramento. Não foi um percurso fácil, pois os apoios para a investigação eram limitados e o sucesso dependia muito do investimento pessoal; houve muitos momentos de desânimo mas não me arrependo da opção que tomei, pois sinto-me realizada pessoal e profissionalmente.

“Não foi um percurso fácil, pois os apoios para a investigação eram limitados e o sucesso dependia muito do investimento pessoal…”

“… uma parte importante da minha atividade atual está relacionada com a investigação dita de longo-termo e da capacitação, em termos logísticos e humanos, da FCUL para a sua realização.”

A minha área de especialização é a Ecologia Animal, mais concretamente a Ecologia da Conservação, um ramo da ecologia que trata da preservação e gestão da biodiversidade e dos recursos naturais, tendo como objetivo principal obter o conhecimento necessário para gerir e conservar espécies, habitats, paisagens ou ecossistemas, mantendo a sua integridade mas conciliando a mesma com uma exploração sustentada dos recursos pelo homem. É uma área fascinante pois a sua compreensão plena obriga ao cruzamento das ciências naturais com as ciências sociais, estimulando a colaboração científica e o trabalho em equipa.
O modelo animal que tenho usado preferencialmente na investigação que desenvolvo com a minha equipa, são os mamíferos, em particular os carnívoros, e o enfoque tem sido em ambientes socio-ecológicos como é o caso ecossistema conhecido por montado e, mais recentemente, do meio urbano, onde os impactos da atividade humana não são negligenciáveis e onde os resultados da nossa investigação podem ter um contributo importante.
Num momento em que as alterações climáticas e a perda ou degradação dos habitats naturais estão na ordem do dia, enquanto motores de mudança e perda de biodiversidade, a importância da obtenção de séries temporais de dados que permitam uma melhor compreensão das tendências populacionais das espécies, e das suas respostas e capacidade adaptativa à mudança ambiental, é realçada. Neste contexto, uma parte importante da minha atividade atual está relacionada com a investigação dita de longo-termo e da capacitação, em termos logísticos e humanos, da FCUL para a sua realização.

As perspetivas futuras são as mesmas que me têm acompanhado desde que tomei esta opção de vida, ainda que esteja consciente que o tempo que me resta em atividade já é curto. Ou seja, continuar a motivar a nova geração de investigadores, quer através da partilha de conhecimento (ensino e atividades de extensão), quer envolvendo-os em projetos, e/ou respondendo aos desafios de investigação que eles próprios me colocam.

“…continuar a motivar a nova geração de investigadores, quer através da partilha de conhecimento (ensino e atividades de extensão), quer envolvendo-os em projetos”

Que conselho daria a uma jovem que pretenda investir numa carreira de investigação?

Que aproveite as oportunidades que lhe surjam, mantenha a curiosidade científica, procure colaboração e, sobretudo, seja resiliente e não desanime com a frustação.